catatonizando

palavras de um eu catatônico

Mês: setembro, 2013

Plenamente

De repente, eu surjo, assim, do nada. Como quem nunca antes tivesse aberto os olhos. Como quem desperta pela primeira vez. Confusa, sem saber de onde vim e pra onde irei. Daí, sinto o calor do teu corpo ao meu lado, e começo a recobrar a consciência. Fui embalada pelos teus braços e acometida por teus beijos, enquanto você me dizia aquelas palavras típicas de amantes apaixonados, essas palavras das quais a gente desdenha quando tem o coração vazio, pois, para além de comprendê-las, é preciso senti-las. O tempo se dissolveu aos poucos, até que o mundo se transformou em um recorte do espaço, imóvel e intacto, e eu adormeci. Um sono com cara de inexistência, como se eu tivesse sido suspensa da vida por algumas horas. Um sono de paz profunda, sem sonhos, pesadelos ou qualquer outro tipo de (in)consciência.

Estranha essa sensação de acordar como quem acaba de nascer. Não que eu me lembre das emoções que tive ao sair da barriga de minha mãe, mas acredito que o nascimento seja o mais próximo possível do que senti quando despertei ao seu lado. Mas se eu nasci, qual foi o ventre que me abrigou, quem é meu pai, quem é minha mãe? Você? Eu mesma? Não. Eu nasci dos instantes de carinho, dos sorrisos e olhares, das conversas e até dos silêncios. Eu nasci desse espaço entre nós, preenchido por milhares de moléculas de pequenas lembranças e gestos e, sobretudo, por essa vibração magnética. Eu nasci de dentro de mim e de dentro de você. Eu nasci do nosso amor, disso que a gente tenta definir e não tem definição, apenas é.

Esfinge

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Como fantasiada para um baile de máscaras, Marisa sai todos os dias de casa. Pronta para forçar sorrisos e sustentar conversas fiadas. Não se deixa conhecer e não conhece. O riso que dá não lhe pertence. Quem ela é, diante dos outros, no fim das contas, fica ausente. Vestindo uma roupa que não é dela, esconde a dor legítima de sua existência. Cheia de pausas, sem pertencer a lugar algum, caminha buscando o anonimato. Com medo de chamar a atenção para o sofrimento, evita os mais diversos tipos de contato. Ela se esquiva, tão ligeira quanto um animal que despista o predador. Obstinada, foge, finge. Esfinge.

Amor e cautela

É incrível como as pessoas gostam com cuidado. É incrível como as pessoas amam com restrições. Devemos ter cautela, eu sei, afinal de contas não se deve entregar a quase totalidade de sentimentos bonitos que brotam de dentro de si para um alguém qualquer. Mas é que tanta preocupação tá ficando excessiva, e tá destruindo possibilidades de encontros verdadeiros. Ama-se com um pé atrás, como quem tá esperando ser apunhalado pelas costas, como quem tá esperando ter o coração devastado a qualquer momento. Ama-se de um jeito contido, sem gostar demais ou extravasar emoção, mas não necessariamente por medo, e sim por preguiça: estabelecer uma profunda conexão com o outro dá trabalho, principalmente em um mundo em que somos sobrecarregados por preocupações mais “sérias”. Ama-se pensando já no próximo, porque, é claro, há sempre de se esperar pelo fim.

Assim, nos envolvemos com pessoas legais e atraentes, uma após a outra, em relacionamentos supérfluos que nada têm a dizer, pois neles falta o que deveria ser básico em toda relação: a ligação. Porque decidimos nos relacionar ao responder a pergunta “por que não?”, em vez da “por que sim?”. Porque os relacionamentos são uma obrigação, e não a expressão de um sentimento. E, nesse ritmo, carecemos de amor e fomentamos o vazio. Porque no amor, no amor mesmo, ou você mergulha de cabeça – e de coração – ou deixa pra lá. Porque no amor você se conecta. Porque no amor você não consegue controlar. Porque apesar dos perigos de uma eventual morte, caso nada dê certo, os benefícios da vivência intensa são incrivelmente superiores às piores probabilidades. E mesmo que, no amor, você morra, nada vai te impedir de ressuscitar.